
NOVO PARADIGMA DE REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO:
A ARTE FRACTALISTA
CONGRÈS EUROPÉEN DE L' INSEA – 1997 | Conférence Principale
Resumo
Partindo do envolvimento espácio/sócio/cultural contemporâneo e da complexidade que lhe é inerente, apresenta-se um novo paradigma estético de representação do espaço: a Arte Fractalista.
Tendo em conta que esta abordagem do aleatório, do incerto, do impreciso, presente na sociedade pós-moderna produziu modificações importantes na forma de encarar a realidade envolvente, estabelece-se ainda um contraste entre a Geometria Euclidiana e a Geometria Fractal.
Sublinhando algumas consequências deste novo modelo de representação do espaço, termina-se indicando aspectos relevantes do manifesto sobre a complexidade fractal na Arte.
Esta manifestação artística - a Arte Fractalista ₁ - enquanto resultado da interacção com o envolvimento espacio/sócio/cultural contemporâneo, afigura-se como uma resposta à perda de alguns mitos do passado, ao abandono de uma realidade racionalmente ordenada, e à integração do incerto, do impreciso, do caótico, do plural, nos variados domínios de análise.
Na verdade, "ninguém escapa à ambiência de uma época" ₂, e hoje, a complexidade inerente à sociedade pós-moderna faz despertar para novos entendimentos não só do que se apresenta como real, como também do que se exprime como "efémero" e imaterial, considerados agora como aspectos não "negligenciáveis". Ficam deste modo arredadas as lógicas simplificadas de observação da natureza em que os sistemas dinâmicos se apresentam multifacetados, interdependentes e complexos. Uma árvore individual, por exemplo, "é o resultado de um conjunto alargado de circunstâncias únicas, um caleidoscópio de influências como a gravidade, os campos magnéticos, a composição do solo, o vento, os ângulos do sol, as orlas de insectos, as colheitas humanas, e as outras árvores". ₃
Por sua vez, os fenómenos de índole artística, filosófica ou tecnológica, emergentes desta ambiência física, desenvolvem conexões que implicam a consideração de inúmeros elementos subjacentes, apresentando-se a abordagem da complexidade como a estimação de múltiplas variáveis interactuantes, como um "desafio" e não como uma "resposta". ₄
O estudo do caos e as reflexões sobre o aleatório, o irregular, o imprevisível, evidenciam-se neste contexto como produtivas, tendo-se desenvolvido justamente uma "nova linguagem geométrica"₅ a chamada "geometria da natureza", segundo um conceito ligado à teoria do caos - o conceito fractal - que contempla um conjunto de pontos de vista relacionados com a complexidade, com o racional e o irracional, com o real e o irreal.
Este novo ramo da geometria que nos coloca perante uma nova concepção do espaço veio contrapôr-se à geometria euclidiana pelos motivos abaixo indicados:
Geometria Fractal
* Resulta de um processo dinâmico.
* Idealiza menos as formas e fornece uma imagem do universo angular e rugosa.
* Faculta a possibilidade de modelar formas naturais como: nuvens, montanhas, fronteiras, etc.
* Permite a obtenção de estruturas mediante descrições ou manifestações de comportamentos reais.
* Caracteriza o espaço em termos de dimensões não inteiras, fraccionárias ou intercalares, entre as três dimensões consideradas por Euclides. "Uma dimensão fractal é formalmente uma entropia”. ₆
Geometria Euclidiana
* Resulta de um processo descritivo e estático.
* Idealiza as formas e apresenta uma imagem do universo lisa e regular.
* Faculta a possibilidade de representar formas direitas e planas como: triângulos, círculos, esferas, cones, etc.
* Permite a obtenção de estruturas mediante a resolução de equações.
* Caracteriza o espaço em termos de dimensões discretas: o ponto dimensional zero, a linha unidimensional, o plano bidimensional e o sólido tridimensional.
Tendo em Gaston Júlia e Pierre Fatou dois precursores, a geometria fractal desenvolvida e sistematizada por Benoît Mandelbrot cerca dos anos 70, abarca qualidades como a textura, a complexidade e os padrões holísticos, e proporciona ainda a avaliação de extensões irregulares, admitindo que o espaço finito possa comportar o infinito. À medida que nos aproximamos, por exemplo, das extremidades ou fronteiras da célebre imagem do "conjunto de Mandelbrot", verifica-se que estas vão apresentando sempre e cada vez mais pormenores.
Como afirma James Gleik, ₇ "para os olhos da mente, um fractal é uma maneira de entrever o infinito".
Simultaneamente a esta propriedade de encerrar pormenor infinito, os fractais apresentam também um elemento caótico em lugar da previsibilidade inflexível, e podem ser definidos através dos seguintes atributos:
1. Os diferentes segmentos, embora diferindo na escala e podendo eventualmente apresentar pequenas alterações, mantêm no essencial a mesma forma e estrutura que a totalidade do conjunto.
2. Independentemente da escala de observação a sua forma revela-se uma unidade complexa, "extremamente irregular", "interrompida" e "fragmentada".
3. Possuem elementos diferenciados em escalas diversificadas. ₈
Como exemplo de número fraccionário, dimensão Hausdorff ou fractal, costuma frequentemente referir-se a curva de Koch. Esta experiência que Helga von Koch efectuou em 1922, consiste no seguinte: desenhar em cada um dos três lados de um triângulo equilátero três novos triângulos de forma ininterrupta. Como resultado obtém-se uma curva fechada de perímetro infinito, limitada pela área do círculo onde virtualmente se inscrevia a primeira figura.
Esta noção de que a dimensão possui um carácter abstracto, do mesmo modo que as noções de ordem, desordem, auto-similaridade, forma, comportamento sistémico e invariância escalar, constituem assim alguns dos campos de análise do conceito fractal que tem contribuído largamente para algumas mudanças conceptuais entre as quais destacamos:
1. A utilização de métodos mais intuitivos e integrados na resolução de problemas.
2. A reconsideração do pensamento em termos de ideologia e método sistemático.
3. O reexame do mundo físico desde o espaço em geral até à complexidade do corpo humano.
4. A convicção de que as formas, visualmente observáveis e específicas da matéria, possuem modelos invisíveis, ("uma ordem fractal escondida"), que tomam parte na sua ulterior configuração.
5. O reconhecimento dos limites das concepções clássicas da ordem e da desordem, baseado na convicção de que existem sistemas que, sob determinados planos de análise, criam a desordem, podendo contudo manter-se ordenados relativamente a outros planos.
6. A consideração de que, nos objectos existentes no espaço, operam princípios organizadores como: (i) a auto-semelhança, significando que os segmentos de diferentes tamanhos desses objectos se repetem subtilmente uns aos outros; (ii) a invariância escalar, ou seja, que os diferentes segmentos dos referidos objectos apresentam sempre a mesma estrutura independentemente da escala de observação.
Toda esta evolução conceptual, que se encontra ligada à evolução de conceitos artísticos e filosóficos, tem produzido efeitos inclusive a nível tecnológico, como o atestam as imagens de fractais sintéticos, hoje tão divulgadas. Concebidas por matemáticos e cientistas, e modelizadas em computador, estas imagens, embora sendo produto de uma "abstracção mental", imitam formas e espaços do mundo real como: cristais, nuvens, galáxias, etc. ₉
Apresentando-se como portadoras de uma grande beleza, representam por outro lado uma imagem do infinito, na medida em que é possível ampliar-se qualquer pormenor de forma ilimitada, sem que as ampliações percam exactidão.
Contudo, quando comparadas com outras imagens inspiradas na mesma temática e resultantes de processos expressivos como a arte, verifica-se que revelam um grau de elevada previsibilidade, fazendo ressaltar o quanto a capacidade de trabalhar com o insuficiente e o vago constituem uma das superioridades humanas em relação ao computador. ₁₀
Segundo John Briggs, ₁₁ "o grande poema ou quadro é sempre novo, sempre uma surpresa reconciliadora". A "ambiguidade, criada pela auto-semelhança artística", é a chave para que tal aconteça, em virtude dos seus aspectos criativos que a tornam diferente da auto-semelhança que, nos fractais sintéticos, ocorre, meramente, através da permutação de formas similares.
Esta ambiguidade "lúcida", produzida pelas justaposições de cores e de múltiplas formas auto-semelhantes, mas também diferentes, provoca uma tensão "reflectora"₁₂ dinâmica que faz o cérebro vibrar.
Entre muitos outros, criaram "reflectores" os seguintes artistas: Brueghel que, partindo de formas euclidianas repetidas e transformadas, criava paisagens com características simultaneamente regulares/irregulares, simétricas/assimétricas e activas/estáticas; Picasso e Braque que, após terem fragmentado os objectos, estabeleciam contrastes visuais; os suprematistas que, a partir de manchas de cor, procuravam criar estados de espírito antagónicos, etc.
A similaridade que em geral constitui "um dos procedimentos fundamentais das ciências do vago, particularmente na sua diligência heurística", ₁₃ e a auto-similaridade fractal, juntamente com valores como a "originalidade" e a "individualidade", têm contribuído deste modo para que, ao longo dos tempos e em função das diferenças culturais, os artistas criem novos "reflectores".
Relativamente a outros atributos, como a descontinuidade entre comportamento local e comportamento global, podem encontrar-se exemplos nas obras de Manet, Duchamp, Seurat, etc.
Verifica-se assim, que a enumeração dos artistas plásticos que utilizaram na construção e representação de espaços o que hoje apelidamos de propriedades fractalizadoras constitui uma lista extensa na qual podem incluir-se os "densos torvelinhos de energia em rede" das obras de Vincent Van Gogh, as "geometrias recursivas" de Mauritus Escher e as "confusas abstracções" de Jackson Pollock. ₁₄
Susan Condé, ₁₅ sugere ainda, na sua "genealogia fractal" que: "Proust é fractalista pela sua exploração até ao infinito dos detalhes da memória"; "Virgínia Woolf é fractalista pela sua atitude perante o infinito"; "a estrutura e a superfície dos quadros de Seurat são fractais pela sua fragmentação e pela sua alteração visual"; "a proliferação das cores em Gustav Klimt é fractal"; e muitos outros exemplos poderiam ainda ser acrescentados como: a arquitectura manuelina e a barroca, a perspectiva cubista, as pesquisas da quarta dimensão, e a relatividade.
Nos nossos dias, têm igualmente surgido artistas que procuram incorporar nas suas obras a irrregularidade, a complexidade sócio-filosófica da sociedade de hoje, a fractalidade quer do micro, meso ou macro-espaço em que estamos inseridos, quer dos objectos e seres que nos rodeiam. É o caso de Edward Berko, Marie Bénédicte Hauten e Carlos Ginzbourg entre outros.
No seu manifesto sobre a complexidade fractal na arte, estes artistas que admitem ter recebido impulsos de Morin, Maffesoli, Atlan, Prigogine, Serres, Bergson, Nietzsche, etc., declaram, por exemplo, que:
- Rejeitam as concepções cartesianas de vida, os sistemas lógicos e geométricos, com utópicas concepções do espaço.
- Reconhecem o constrangimento dos modelos reducionistas com as suas percepções triviais do infinito e as inerentes limitações.
- Advogam a simbiose da causa e do efeito, do simples e do complexo, do mensurável e do indefinível.
Perante esta ambiência contextual, pode afirmar-se que "a ciência do caos está ajudando a definir novamente uma estética" (...), a qual pode ser caracterizada como holística, como "uma harmonia na qual tudo é compreendido como afectando tudo o resto". ₁₆ Esta estética que, para Susan Condé, ₁₇ advém da "rotura da perfeição, exonera o determinável, o mensurável, o previsível, o racional", e faz emergir um universo onde a simetria e o caos coexistem, onde uma nova ordem paradigmática de representação do espaço desponta.
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1 Termo utilizado por analogia com as expressões: arte renascentista, cubista, surrealista, etc.
2 Condé, Susan, (1993: 9).
3 Briggs, John, (1992: 14). Fractals. The Patterns of Chaos. Discovering a New Aesthetic of Art, Science, and Nature. London: Thames and Hudson Limited.
4 Morin, Edgar, (1991: 123). Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget. (Tit. orig. Introduction à la pensée complexe, 1990. Paris: ESF éditeur.).
5 Mandelbrot, Benoît, (1991: 210). Objectos Fractais. Forma, Acaso e Dimensão. Lisboa: Gradiva Publicações, Ltd. (Tit. orig. Les Objects Fractals, 1975-84-89. France.).
6 Mandelbrot, Benoît, (1991: 231).
7 Gleik, James, (1989: 137). Caos. A construção de uma nova ciência. Lisboa: Gradiva. (Tit. orig. Chaos: Making a New Science.).
8 Mandelbrot, Benoît, (1991: 171).
9 Ostrower, Fayga, (1990: 197).
10 Morin, Edgar, (1991: 44).
11 Briggs, John, (1992: 170-8).
12 Reflector - Na acepção de John Briggs, significa uma justaposição artística de formas simultaneamente auto-semelhantes e diferentes, no sentido de contribuir para a abertura do espírito.
13 Moles, A. Abraham, (1995; 210). Les Sciences de l'imprécis. Paris: Édtions du Seuil.
14 Briggs, John, (1992: 166).
15 Condé, Susan, (1993: 93, 4).
16 Briggs, John, (1992 28-30).
17 Condé, Susan, (1993: 105).
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Bibliografia:
Briggs, John, (1992). Fractals. The Patterns of Chaos. Discovering a New Aesthetic of Art, Science, and Nature. London: Thames and Hudson Limited.
Condé, Susan, (1993). Fractalis - La Complexité Fractale dans l'Art. Paris: La Différence.
Gleik, James, (1989). Caos. A Construção de uma Nova Ciência. Lisboa: Gradiva. (Tit. orig. Chaos: Making a New Science).
Mandelbrot, Benoît, (1991). Objectos Fractais. Forma, Acaso e Dimensão. Lisboa: Gradiva-Publicações, Ltd. (Tit. orig. Les Objects Fractals, 1975 - 84 - 89. France).
Moles, A. Abraham, (1990). Arte e Computador. Porto: Edições Afrontamento. (Tit. orig. Art et Ordinateur).
Moles, A. Abraham, (1995). Les Sciences de l'imprécis. Paris: Édtions du Seuil.
Morin, Edgar, (1991). Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget. (Tit. orig. Introduction à la pensée complexe, 1990. Paris: ESF éditeur).
Ostrower, Fayga, (1990). Acasos e Criação Artística. Brasil: Editora Campos Ltda.
Sorell, Walter. (1970). The Duality of Vision. Genius and Versality in the Arts. London: Thames and Hudson.
Stiny, George,; Gips, James, (1978). Algorithmic Aesthetics. Computer Models for Criticism and Design in the Arts. California: University of California Press.